Nos dias em que não está se sentindo bem, o que você faz para tentar melhorar? Se você for como eu, vai correr para o Google e se perder nos milhares de links com dicas e pontos de vista até ficar confuso demais sobre qual o melhor caminho a seguir. Agora, quando o assunto é autoestima, o nível de informação que vemos nos principais resultados é assustadoramente raso e tratado muitas vezes de maneira perigosa.
A maior parte dos sites, por exemplo, dá dicas de como melhorar sua autoestima, fazendo uma lista de pequenas atitudes como “se elogiar sempre” ou “praticar algum exercício”. Ou seja: esse conteúdo, pelo baixo nível de complexidade argumentativa sobre um assunto tão delicado, se mostra pouco debatido de uma maneira geral.
Então vamos voltar um pouquinho: afinal, o que é autoestima?
Na primeira vez que usaram esse termo, em 1982, foi para descrever a sensação geral que uma pessoa apresenta em relação ao seu valor pessoal. Alguns especialistas dizem que a autoestima é um traço de personalidade e que então ela seria estável e duradoura.
Essa palavra significa uma variedade de crenças sobre nós mesmos. A maneira como nos enxergamos perante o mundo. Isso envolve opinião sobre a própria aparência, das próprias necessidades, das emoções e dos comportamentos.
Ou seja: a autoestima tem relação com a forma que vemos o mundo e como entendemos que esse mundo nos vê. E isso está diretamente atrelado à cultura da qual fazemos parte.
Acho que não preciso aprofundar em como uma cultura é estabelecida, mas posso resumir a parte atual: a cultura, principalmente na era da informação, estabelece determinados padrões que são compartilhados por uma sociedade. Alguns desses padrões, principalmente os disseminados nas mídias, na prática, são excludentes. Vendem corpos inalcançáveis, padrões de vida impagáveis e comportamentos específicos demais. É coisa de menos de 1% das pessoas que conseguem alcançar o que nossa cultura transmite como ideal.
Especialistas também correlacionam a baixo autoestima com traumas vividos nas fases iniciais da vida, como abandono, baixo rendimento escolar e parentes passivo-agressivos.
E qual a consequência disso?
Só no Brasil, por exemplo, 76% das mulheres citam a crescente pressão por parte da mídia para que elas atinjam um padrão de beleza que se baseia em ser magra, estar em dia com a academia e ter roupas maravilhosas como uma causa importante de sua ansiedade com a própria aparência.
Setenta. E. Seis. Por. Cento.
Estamos vendo, na prática, como ter a beleza como fator para ser uma pessoa confiante é a fórmula mágica para criar gerações de pessoas inseguras. 60% das mulheres do mundo todo acreditando que precisam atender certos padrões de beleza. 9 em cada 10 mulheres cancelam compromissos importantes por não estarem se sentindo bem com a própria aparência. Também 9 entre 10 mulheres se forçam a parar de comer para emagrecer.
Os homens também são afetados por esses fatores externos, mas possuem algumas especificidades: o bullying na época do colégio, a pressão por ser o provedor da família e a necessidade constante de provarem sua masculinidade são alguns exemplos que prejudicam a autoestima.
Alguns sinais que evidenciam esse problema são:
Visão negativa da vida
Atitudes perfeccionistas
Desconfiança nos outros
Medo excessivo de correr riscos
Sentimento de não ser amado
Deixar que os outros tomem decisões
Medo de ser ridicularizado
Altos níveis de ansiedade
As consequências desse problema são os mais diversos. Vão desde bullying e gravidez precoce até o uso abusivo de álcool e drogas.
Ok, mas e as pessoas com uma autoestima boa? O que fazem? Do que vivem? Onde se escondem?
É praticamente falar o contrário do que evidenciei aqui para falar de pessoas com baixa autoestima. Essas pessoas se sentem mais confortáveis tanto com elas mesmas quanto com o ambiente ao seu redor. Isso pode ser explicado por terem vivido emoções mais neutras ou positivas durante as primeiras fases da vida: seja por uma criação com estímulos positivos ou por algum tipo de privilégio. Todo mundo aqui passou pela infância e sabe como as experiências vivenciadas naquele período nos afetam quando estamos maduros. Positiva ou negativamente.
Resumindo: levando em consideração as primeiras fases da vida, ambientes positivos geram maior segurança e desenvolvem qualidades importantes para a autoestima. Já ambientes negativos, emocionalmente conturbados, geram pessoas mais hesitantes. Lembrando que a maneira como nós e nossas famílias nos comportamos também faz parte da cultura vigente.
Toda essa introdução ao significado dessa palavrinha que perdeu a hífen se fez necessária para podermos discutir: tá, e o que eu faço com a minha baixa autoestima?
Bem, é delicado. Mas vamos lá.
Sabemos que a psicanálise costuma relacionar esse problema ao ambiente familiar: experiências que temos (ou deixamos de ter) com nossos pais podem desencadear diversos problemas futuros.
O problema é que o comportamento que vemos em nossos pais é apenas a repetição de comportamentos que eles também viram com seus pais (nossos avós). E nossos avós também levaram adiante um padrão que viram em seus pais (nossos bisavós). E essas estruturas costumam se manter inalteradas por muito tempo.
Então precisamos nos livrar desses fantasmas do passado que ficam super confortáveis apoiados nas nossas costas e fazer as pazes com a nossa história.
Em algum outro blog qualquer, agora seria aquele momento no qual seriam listadas 5 coisas para fazer no seu dia a dia que ajudariam a melhorar sua autoestima, assim como disse no início desse texto. Algo como se olhar no espelho todo dia de manhã e dizer que você consegue; fazer cafuné no seu gato; aceitar elogios. Aí transformamos a autoestima em autoajuda.
Não existe problema em tentar qualquer método para se sentir bem e confortável com quem você é, caro fiel leitor. Mas o que vai te ajudar por toda a vida, sem dúvidas, é repertório.
Seja qual for o seu problema, ter conhecimento sempre será um facilitador para encontrar soluções. Existe material excelente, até de séculos passados, que tratam sobre autoimagem e psique humana. O conteúdo é maior ainda quando falamos de cultura, diversidade, aceitação, empoderamento. É importantíssimo sairmos da bolha na qual estamos inseridos, normalmente pelo ambiente que fomos criados e frequentamos, para enxergar a complexidade de cada pessoa ao nosso redor.
Somos bombardeados de informação que reforçam estereótipos excludentes o dia inteiro. Um repertório grande permite que você reflita sempre sobre cada informação que você recebe. Saber qual o motivo de venderem o corpo musculoso como padrão, mas também saber o motivo pelo qual você não precisa disso para estar bem. Saber que muitas vezes é normal sentir insegurança em determinados ambientes, mas também saber que você pode conviver com isso sem maiores problemas.
Entendendo o mundo ao nosso redor, geramos empatia. E é essa empatia que permite uma reflexão sobre as diferenças e como devemos agir para que elas não sejam vistas como “fora do padrão”.
Caso você não faça ideia por onde começar, listo aqui alguns livros excelentes e importantes:
O maior talento do autor russo foi transformar os aprendizados em experiência universal. Sua vida foi fonte de reflexões e não apenas simples memórias. O livro não é a simples história de um assassino, é um ensaio apurado da natureza humana: mostra todos os processos da racionalização que o protagonista faz do seu crime. É uma história que debate a moral e questiona os homens tomando decisões acima da legalidade.
Neste livro, o autor mostra como os meios de comunicação de massa afetam profundamente a vida física e mental do Homem, levando-o do mundo linear e mecânico da Primeira Revolução Industrial para o novo mundo veloz e mutável da Era Eletrônica.
Publicada originalmente em 1949, a distopia futurista 1984 é um dos romances mais influentes do século XX. Uma poderosa reflexão ficcional sobre a essência nefasta de qualquer forma de poder totalitário.
Neste livro, o autor esclarece como se deu a transição da modernidade “sólida” para a modernidade “líquida”, nos auxiliando a repensar os conceitos e esquemas cognitivos usados para descrever a experiência individual humana e sua história conjunta.
A modernidade líquida em que vivemos traz consigo uma misteriosa fragilidade dos laços humanos, um amor líquido. O autor investiga nesse livro de que forma nossas relações tornam-se cada vez mais “flexíveis”, gerando níveis de insegurança sempre maiores. Bauman merece ter mais de um livro aqui nesse post!
Essa obra traça um poderoso panorama histórico e crítico sobre a luta feminista, a luta antirracista e a luta antiescravagista, passando pelos dilemas contemporâneos da mulher. O livro é considerado um clássico sobre gênero, raça e classe.
O autor repassa a história da humanidade, ou do homo sapiens, desde o surgimento da espécie durante a pré-história até o presente, mas em vez de apenas narrar os fatos históricos, ele os relaciona com questões do presente e os questiona. Para cada fato ou crença que temos como certa hoje em dia, o autor apresenta as diversas interpretações existentes a partir de diferentes pontos de vista, inclusive as muito atuais, sugerindo até novas interpretações.
Esse livro traz muitos outros insights e, caso você não tenha visto, já publicamos um texto sobre um deles aqui.
Sejamos justos com nós mesmos, amigos. E tenhamos conhecimento para vivermos em paz, sem nos preocuparmos com julgamentos ou padrões. Nossa autoestima merece!
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